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A tecnologia na luta contra os temporais

Gil Kempers lidera o grupo que monitora os fenômenos climáticos no Rio de Janeiro. Sua missão é evitar a repetição de tragédias como a de 2011, quando as chuvas mataram 953 pessoas na região serrana do estado

Brasil;Ciência;Insights;Gil Kempers (Foto: Eduardo Zappia)





                             Ocarioca Gil Kempers não pode assistir a um filme que começa a protestar. A performance que o incomoda não é a dos atores, mas a das catástrofes. Aquela avalanche só arrastou um prédio? Bobagem. A chuva não fez o barranco desmoronar? Mentira. “Quando essas cenas começam, minha mulher já olha para mim e diz: ‘Para de falar que está tudo errado’”, afirma Kempers. Tamanha implicância não é mau humor. É capricho profissional. Gil Kempers, um tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, é especialista no combate a tragédias.
À frente do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), no Rio de Janeiro, ele tem a obrigação de monitorar os fenômenos climáticos que possam resultar em mortes no estado. Isso inclui tempestades, ressacas marítimas e furacões. E nada causa mais trabalho à equipe do Cemaden do que as chuvas. Mais de 80% dos óbitos fluminenses provocados pela natureza têm origem nas tempestades, seja por conta de pessoas soterradas em deslizamentos (60% das mortes) ou levadas por enchentes (20%).
Kempers conheceu em detalhes o poder nefasto das águas em 11 de janeiro de 2011. Em um fenômeno raro, duas massas de ar, uma com origem na Amazônia e outra em São Paulo, encontraram-se na região serrana do Rio. Em cidades como Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis choveu em dois meses o que era esperado para um ano. O encontro desse temporal com um lugar repleto de casas construídas no sopé dos morros foi arrasador. Morreram 953 pessoas e 35 mil ficaram desabrigadas. Foi o maior desastre climático em número de mortes do Brasil.
À época, Kempers era o oficial de plantão dos Bombeiros. Ele deveria passar o comando para o plantonista seguinte, mas, diante da encrenca, resolveu permanecer no centro de operações. Pelos 26 dias seguintes, tornou-se o responsável por indicar quais ações a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e as polícias Militar e Civil deveriam adotar no resgate às vítimas, no encaminhamento dos desabrigados ou mesmo na reconstrução das cidades afetadas.
Vem daí a primeira lição aprendida pelo especialista em lidar com tragédias: é preciso se antecipar. Antes que o céu escureça, no primeiro prenúncio de tempestade, a estratégia de reação deve estar pronta. Pensar no que fazer na hora da confusão é garantir o fracasso da resposta ao fenômeno natural. Isso parece um pouco óbvio, mas as perdas foram enormes na serra fluminense porque a população só foi avisada do desastre quando os barrancos estavam quase desabando. Alguns carros de som circularam pela cidade alertando os moradores, mas a eficácia desse recurso foi próxima de zero.
Ao fim daquele trabalho, Kempers foi promovido (entrou na chuva major, saiu tenente-coronel) e recebeu a tarefa de estruturar o Cemaden, no Rio. “Deixamos de ser reativos e passamos a trabalhar na prevenção”, diz. Para isso, foi preciso contar com bons dados, atualizados com periodicidade cada vez menor. O sistema do centro fluminense integra mais de dez fontes de informação sobre meteorologia, hidrologia e geotécnica. Elas incluem órgãos como o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o Sistema de Alerta de Cheias e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), além de uma rede própria com mais de 200 pluviômetros.
Esses dados alimentam uma tela que domina uma parede no Cemaden. Ela mostra mapas onde se veem o volume das chuvas, a umidade do ar, a velocidade do vento e os focos de incêndio em tempo real (o órgão atua inclusive nessa área). Detalhe: também é preciso cuidar dos estados vizinhos. As chuvas que desabam no Rio vêm, em geral, de São Paulo ou Minas.
Brasil;Ciência;Insights;chuvas;região serrana do Rio; (Foto: Agência O Globo; Folhapress; AP Photo)
SISTEMAS DE ALERTA EFICIENTES
Essas informações, contudo, não bastam. Elas precisam ser divulgadas com alarde. Por isso, nos últimos quatro anos, sirenes foram instaladas em 425 bairros de 17 municípios fluminenses. Ainda é inócuo, contudo, ter os dados e os emissores de alertas se a melhor hora para acionar o sistema for ignorada. Para defini-la com precisão, Kempers caçou estudos geotécnicos que determinam quanto tempo diferentes tipos de solo suportam as chuvas, antes de ceder. Ainda assim, era preciso ir mais longe. As ferramentas reunidas até ali calculavam a hora do desmoronamento, mas não o melhor instante para a evacuação das áreas. Outro problema: nenhum recurso utilizado até então levava em conta diferenças de terreno, comuns em diversos trechos de uma mesma cidade.

Com todo esse pacote, o número de mortes causadas por fenômenos climáticos caiu no Rio. Em 2011, um ponto fora da curva por conta do problema na serra, foram mais de mil. Mas em 2012 o total ficou em 400, baixando para 100 (em 2013), 60 (2014) e 20 (2015). Ainda assim, não se pode dizer que o perigo foi totalmente eliminado. Cinco anos após a tragédia,  mais de 91 mil pessoas moram em áreas de risco de deslizamento na região serrana.Para superar esses limites, a equipe do Cemaden criou um algoritmo. Ele calcula o momento em que um morro específico tende a deslizar. Com base nessa estimativa, dispara os alertas antecipadamente. Os casos analisados pelo algoritmo são classificados por níveis, que medem o grau de destruição da chuva – como a escala Richter, em terremotos. São dez pontos nessa gradação, sendo cinco para duas variedades de chuva: a pancada, forte e rápida, e a constante, que dura dias. Cada ponto dessa medida tem um protocolo de atuação, do mais leve ao mais severo.
LIDERANÇA FLEXÍVEL
No dia a dia, a equipe liderada por Kempers é composta por sete profissionais, entre hidrólogos, meteorologistas e geotécnicos. Quando a tragédia é iminente, ninguém trabalha sozinho. A tempestade desponta no monitor do Cemaden e o hidrólogo calcula se um rio pode transbordar. Cabe ao geotécnico definir quais as regiões mais suscetíveis a deslizamentos. Com a aproximação de um eventual desastre, Kempers assume o comando. Enquanto a tempestade representar risco, ele dará as ordens a órgãos como os Bombeiros e a Defesa Civil.
A liderança, nessas situações, tem de ser flexível. Frente a um cenário incerto, assume quem é mais preparado para atuar naquele momento, ainda que isso signifique quebra de hierarquia. Nessas horas, figuras de patentes mais altas ouvem as instruções de Kempers. Em nome da agilidade, os egos têm de ser contidos. Por vezes, a situação se inverte. Quando um prédio comercial explodiu em São Cristóvão, no Rio, em outubro, quem estava à frente do resgate dos soterrados eram os Bombeiros. Kempers atuou como uma espécie de assistente para cuidar do descanso e da alimentação do pessoal que trabalhava nos escombros do edifício.
Saber lidar com dramas é outra parte importante desse ofício. Em 2012, dois funcionários de Kempers morreram soterrados. Eles tentavam convencer pessoas de uma família a deixar uma área de risco. Elas se recusavam. Kempers fala sobre o tema com pesar, mas a atividade exige que o profissional isole suas emoções. “Tenho de dar sempre uma resposta. Os meus chefes cobram um solução e os subordinados esperam para saber o que fazer”, afirma. “Eu não posso fraquejar.” 

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